segunda-feira, 28 de março de 2011

Breve ensaio sobre o Mal

“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo que lhe é contrário”
(L.E, questão 630)

Persiste no espírito humano a tendência para o mal, como uma ressonância do primarismo ancestral das experiências transatas da evolução.
No processo de desenvolvimento antropológico, o bi­ótipo mais forte sobreviveu aos demais em razão da bruta­lidade, do volume e da astúcia na luta pela vida. À medida que o homem desenvolveu a inteligência e aplicou-a para proteger-se e preservar a espécie, adquiriu o poder de vencer as feras e os animais gigantescos. Como decorrência, ficou a presença do mal nele dominante, que vem aplicando contra si mesmo - autodestruição, excesso nos vícios - e contra os outros - furtos e roubos, calúnias, ­ perseguições, homicídios e guerras que ameaçam toda a civilização.
Platão identificou-o nas suas observações profundas, denominando-a como face escura do ser; portanto, desco­nhecida, e Carl Gustav Jung constatou-a nos estudos da personalidade, a que chamou de sombra. permanecem os impulsos da violência e da agressi­vidade, as paixões escravizadoras, os instintos indomados que respondem pelo retardamento da auto-iluminação. Trata-se do eu inferior, que representa um perigo para o indivíduo, e que deve ser identificado, a fim de ser combatido com a luz do discernimento e do amor.
O mal é, desse modo, um impulso inconsciente, auto­mático, que emerge do abismo do ser, como mecanismo de sobrevivência, e lhe desata tendências perturbadoras, que se lhe encontravam atadas.

Quanto mais desconhecido do mundo íntimo, mais per­turbações e prejuízos o mal ocasiona. Ignorá-lo é uma forma de deixá-lo livre e em expan­são, permitindo-lhe manifestações freqüentes e danosas no comportamento. A fim de conscientizar-se do mal em si mesmo, faz-se imprescindível o aprofundamento do auto-exame, para encontrar os pontos vulneráveis que o despertam e o de­sencadeiam, predispondo-o para a agressão.
Tentar esmagá-la através de atitudes rígi­das torna-se tarefa inútil, porquanto, à medida que for privado de exteriorizar-se, mais vigor adquire até o mo­mento em que explodirá com virulência danosa. Quando uma força pressiona e encontra resistência, prossegue até a liberação da sua carga, arrebentando ou sendo desarmada.
O comportamento correto em tal caso é aquele que leva à sua identificação – à identificação do impulso - e à capacidade de resistência que possui.
O Espírito não é mau em razão da sua origem divina, porém nele permanece o mal, como a erva daninha mesclado ao trigo bom no mesmo moinho.
Todos os indivíduos são vulneráveis às aflições, que decorrem das enfermidades, das pressões, das agressões, dos distúrbios psicológicos...
Na infância, essas emoções se apresentam como mo­vimentos desordenados, choro, refletindo a impotência da criança diante da dor, do desconforto, de alguma necessi­dade biológica... Mais tarde, expressando-se como medo ou raiva, ela morde e, por fim, com maior recurso de mobilidade, bate, golpeia, foge ou planeja desforço.
Conforme o ambiente, a família, e particularmente a mãe, com quem mantém maior convivência, o mal que é inerente na infância ou se desenvolve, tomando vulto ou dilui-se em grande parte.
Na idade adulta, em razão de outros sentimentos, como vergonha e culpa, que geram tensão, aumentam o medo e a raiva, estimulando à prática do mal, como vingança ou forma cruel de sobrevivência.
O mal pode ser considerado uma emoção de emer­gência, que irrompe com violência quando teme, ou per­manece em silêncio, agindo soturnamente e perturbando aquele que lhe experimenta a constrição.
Quando o mal se manifesta em ação, estimula o siste­ma nervoso simpático supra-renal, que fornece energia para a ação nefasta - a luta - ou para a fuga, até que uma oportunidade própria se lhe desenhe favorável, a fim de descarregar a tensão.
À medida que aumenta essa força e não se faz libera­da, o medo se transforma em raiva, que cresce até tornar­-se fúria, que pode, às vezes, levar ao pânico.
A criatura teme a dor.
Tudo que a conduz ao sofrimento, se não tem o medo sob o controle da verdade e não domina a raiva, no mal se exterioriza para agredir e relaxar-se.
Certamente, a vontade não tem maior ação sobre o medo, que irrompe com ou sem motivo lógico e apavora, mas possui grande ascendência sobre a raiva que pode ser administrada.
A raiva não pode ser considerada uma manifestação destrutiva, mas sim uma reação orgânica, porquanto de­saparece, quando lhe cessa a causa.
Quando o indivíduo se vê sitiado, o mal nele existente se transforma em fúria, que tudo arrebenta e destrói. A fúria enceguece, nublando o raciocínio e anulando a vontade.
A culpa sempre irrompe após as atitudes que afligem as demais pessoas, causadas intencionalmente ou não. De início, é um sentimento de vergonha da própria inferioridade, que cresce e se transforma. O desabrochar do sentimento de culpa proporciona a sensação de haver perdido o respeito que inspirava a afeição, gerando desconfiança e instabilidade.
A vergonha da ação praticada produz humilhação e rejeição, empurrando para o desconforto emocional e as suspeitas infundadas, em batalha mental constante que aturde o ser.
Quando se trata de uma pessoa madura psicologica­mente, desperta e procura os meios para a reparação.
Po­rém, quando se é infantil emocionalmente, foge-se, toma­do pela vergonha do erro, procurando mecanismos de autojustificação ou de autopunição, que desencadeiam o mal adormecido e faz que se converta em mágoa contra si mesmo ou contra aquele que foi o seu causador.
A falta de responsabilidade induz à acusação a ou­trem, por haver criado as circunstâncias que desencadea­ram o incidente, mesmo que não existam. É esta uma forma infantil de o infrator autojustificar-se. O conflito predominante no ser impede-o de discernir com claridade, sendo sempre a culpa das outras pessoas, quase nunca dele próprio.

Um dia, porém surge, em que o mal libera a consciên­cia e a percepção racional corrige o entendimento do fato, advindo a necessidade da reparação. |Porém, se o ser é tomado por insegurança e medo, a ação negativa se transforma em mecanismo de autopu­nição, transtornando o comportamento psicológico e o mundo interior, privando-o da paz e trazendo-lhe sofrimento.
A vergonha e a culpa devem ser trabalhadas com es­pontaneidade, com segurança, a partir do momento em que a pessoa se considere humana, portanto, sujeita a julgamentos e atos equivocados, que pode e deve corrigir.
O mal interior se disfarça com as roupagens de sentimentos variados.
Sua descoberta contribui para a sua erradicação, terapeuticamente investindo-se na saúde emo­cional, espiritual e comportamental.
Não se trata de um empreendimento fácil, nem rápi­do. A eliminação de um condicionamento ocorre median­te o esforço de substituí-lo por outro, no caso, um que seja saudável e benfazejo. Qualquer espaço em aberto se preenche com facili­dade, ou fica vulnerável à reinstalação do hábito anterior.
A cada impulso negativo, do mal existente, deve-se aplicar uma formulação racional, tranqüila, que transforma a reação agressiva ou vil em ação dignificante e paci­ente.

A personalidade é um abismo ainda desconhecido com mistérios complexos para serem desvendados.
No inconsciente do ser dormem milênios em que se encontram os impulsos automáticos, que a razão vem su­perando, mas necessitam ser de codificados, para, logo diluídos, cederem lugar às ações edificantes.
Herdando as experiências sucessivas, o ser humano fi­xou-as no consciente que, de alguma forma, passa a diri­gir-lhe a conduta nesse árduo trânsito para a autoconsci­ência, quando poderá e saberá agir com equilíbrio, res­peitando a lei de Deus e tudo realizando conforme as suas disposições.

O mal é a ausência do bem, sem dúvida, que ainda não se instalou e que contribui para agredir a vida, pertur­bá-la e até tentar extingui-la.
A sua existência é real, enquanto permanece afligindo e gerando a dor, que induzirá, por fim, aquele que o expe­rimenta, a uma radical mudança de conduta.
Negar-lhe a realidade constitui perigosa forma de es­camoteá-lo.
Essa natureza do eu inferior deverá ceder lugar à to­talidade do eu superior.

Na terapia para a diluição do mal, o amor exerce fun­ção essencial, por oferecer segurança àquele que se faz vítima da distonia produzida pelo instinto, auxiliando-o a educar a vontade, a corrigir a óptica pela qual observa a vida e a faz avançar na ação do bem, etapa-a-etapa, pois que essa mudança não se dará de chofre ou sob o encantamento do entusiasmo de um momento.
Exercícios mentais de reflexão em torno de pensamen­tos edificantes, análises sobre vidas abnegadas, contribu­em para a instalação de paisagens otimistas no ser, onde se pode respirar o bem-estar, sem os aguilhões da inveja, do egoísmo, da agressividade.
O auto-exame dos atos e a vigilância na conduta igual­mente facultam o clima para a preceterapia libertadora, que eleva o Espírito e o envolve em vibrações superiores que o penetram e o desalgemam do mal, a fim de que possa aplicar-se ao bem, conforme a lei de Deus.

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