quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A CASA DE JESUS

 

                Algumas considerações sobre ser cristão e ser espírita. Relato de Divaldo Pereira Franco.

                ... "Um espírita, nos moldes do cristão primitivo... Eu via os companheiros fazendo palestras (sem censurá-los) e, saindo dali, eram homens do mundo, pessoas comuns, agradáveis; tiravam seus largos períodos de férias, faziam “estação de águas”. Quando meditava sobre o Cristianismo primitivo, o que me empolgava era ver os ricos se tornarem simples; os poderosos se tornarem amigos. E então eu notava que muitos companheiros se tornavam espíritas e, simples que eram, ficavam presunçosos; pobres que eram, ficavam com “status” de ricos, sem ter os meios. isso me chocava muito, porque, se o Espiritismo é a revivescência do Cristianismo, conforme acreditamos, nós teríamos que viver à semelhança dos cristãos. Não é que se deva deixar as roupas e andar maltrapilho. Não é a postura externa, porque uma pessoa pode estar coberta de jóias e ser simples, e outra pode estar pedindo esmolas e ser orgulhosa... Mas, é que o Cristianismo tem que ser uma revolução interna, em que se veja, no próximo, a figura do irmão, realmente, e não a de alguém a quem estamos beneficiando.
                Nós já adquiríramos a “Mansão do Caminho”, o lar de crianças, àquele tempo, mas havia muita gente que me ajudava. Eu apenas auxiliava banhando os internos, como até hoje o faço.
                Então, um dia, pensei:
                — Meu Deus! Todo mundo só pensa em fazer obra para quem vai viver; a maternidade, a escola, o hospital, a creche, etc. — e para quem vai morrer? Se nós cremos que a vida continua, temos que preparar a pessoa para a vida que irá enfrentar.
                Eu passava de ônibus ou de bonde e via as pessoas dormindo embaixo das marquises. Isso me provocava uma grande dor e dizia-me a mim mesmo: estão morrendo! Por que os hospitais não possuem um lugar para acolhê-los, nem a Santa Casa de Misericórdia, sequer?
               Foi quando sonhei em fazer uma obra que fosse um desafio para minha juventude. Não pensei em uma obra para os outros trabalharem e, sim, para eu próprio trabalhar. Porque é muito cômodo construir uma obra para os outros se esforçarem, e os fundadores ficarem de longe. Assim, imaginei uma casa para se morrer.
                Um dia, conversando com Chico Xavier, propus-lhe:
                — Pergunte ao Dr. Bezerra o que ele acha dessa idéia.
                O Dr. Bezerra informou-nos, então, que seria ideal um trabalho de tal natureza, porque as pessoas pensam muito em obras, fazer construções e plantas e mil coisas e, enquanto estão discutindo, “a caridade chega atrasada”. Durante o tempo em que se está planejando, os pobres estão morrendo. Então, vamos começar atendendo o pobre no fogão de tijolo, até o dia em que possa ter o elétrico.
                Viajei a São Paulo para uma série de palestras. Estava numa reunião quando contei esta minha idéia, mas não dispunha dos meios para concretizá-la. Uma senhora presente sensibilizou-se com o projeto e, para minha surpresa, falou:
                — Senhor Divaldo, eu sempre desejei ser útil. Sou uma mulher muito rica, da sociedade, e mesmo que eu queira visitar os pobres, mesmo que eu queira ir à favela, o meu marido nunca o permitiria, criando um problema doméstico. O senhor tem vontade de fazer isso e não tem o dinheiro. Eu tenho o dinheiro e a vontade, e não posso fazê-lo. Então vou dar-lhe os recursos para que o senhor concretize esse trabalho. Quanto será necessário para adquirir uma casa como a que necessita?
                Eu havia imaginado uma casa dentro do mangue, da invasão, dentro da lama do mar. Respondi-lhe:
                — Vinte mil cruzeiros. (Vamos dizer que essa quantia corresponda hoje a duzentos mil)
                Ela abriu a caderneta, preencheu um cheque e mo entregou.
                — Aqui está. Agora o problema é com o senhor.
                Vejam as bênçãos da Divindade. Cheguei a Salvador, fui à região da invasão e encontrei uma tapera. Uma ruína de taipa (feita com varas e barro), dentro da lama. Porque eu queria um lugar onde se pudesse levar uma pessoa em quase decomposição... Num lugar muito arrumadinho, o pobre não pode cuspir à vontade.
                Coloquei à porta uma tabuleta com o nome: CASA DE JESUS.
                Tinha dois quartos, uma saleta e uma cozinha que é um “cochicho” (uma palavra baiana), que era um nada. E deveria ficar sempre aberta.
                Saímos e fomos recolher os que dormiam em baixo das marquises. Recolhemos um epiléptico. Ele teve tantas crises de epilepsia que ficou deformado; sofria de artritismo e reumatismo e consolidou várias juntas — não dobrava o corpo. Chamava-se André. Vivia em constantes crises convulsivas. Tinha uma ferida na cabeça que não cicatrizava. Colocamos até creolina para que os bichos saíssem.
                Eu era uma pessoa sensível. Nasci num lar modesto, mas asseado. Isso me dava uma repugnância de estômago — pela falta de hábito. Eu fazia os curativos engulhando e até vomitando, às vezes.
                Depois, ele, como epiléptico, na crise, perdia o controle dos esfíncteres. Eu e Nilson o lavávamos. Nós, com alguns amigos, dávamos os plantões noturnos.
                Apareceu-nos uma senhora, Dona Antônia Vilas-Boa. Ela me propôs:
                — Durante as horas em que vocês estiverem trabalhando, eu passo aqui para cozinhar, tomar conta da casa. Vou convidar umas amigas que freqüentam o “Caminho da Redenção”.
                Assim, duas ou três senhoras, pobres como nós, passavam o dia, enquanto nós, os homens, passávamos a noite. A casa ficava aberta vinte e quatro horas.
                Depois, veio um outro doente, que era psicopata e tivera um derrame cerebral. Em seguida, veio uma senhora que eu encontrei na rua. Foi a cena mais comovedora da minha vida.
                Essa mulher teve varíola e a amputação de uma perna, com câncer. Eu a vi atravessando a Praça Municipal, pulando, segurando-se a um pau, à guisa de apoio. Fui até ela, peguei-lhe o braço, coloquei-o em meu ombro. Havia um rapazinho moreno ao seu lado, em silêncio
                — A senhora quer ajuda? — indaguei-lhe.
              — Quero, sim, senhor!
                Ela havia saído do hospital de isolamento e ia para um bairro muito pobre, muito longe, teria que tomar o bonde.
                Observando-a, a saltar, com tanta dificuldade, pensei Meu Deus! Como é que essa criatura vai pegar o bonde, depois de sair do hospital neste estado?
                Olhei ao redor e vi um táxi. Eu nunca havia usado uni táxi, porque não podia. Fui até o chofer e perguntei-lhe pei quanto a levaria até a casa. Ele falou uma quantia que eu não tinha e eu lhe disse.
                  — O que é? — indagou-me.
                  — É para levar aquela senhora ali.
                — O que ela é sua?
                — Nada, encontrei-a agora — esclareci.
                O chofer me olhou e respondeu:
                — Se você pode fazer a caridade, por que eu também não posso? Quanto é que você tem?
                Eu tomei do que tinha e lhe entreguei. Ele recebeu-o, dizendo:
                —Você dá a sua parte e o resto fica por minha conta.
                Eu a coloquei no carro com o rapazinho e fomos até aonde o carro pôde ir. Quando chegou no ponto em que os buracos impediam a sua passagem, descemos e eu a carreguei. O rapaz ao lado, assistindo a tudo em silêncio.
                Levei-a até uma “avenida” de casas — um beco de casas, uma viela. Ela me apontou uma casinha humilde e quando chegamos em frente, uma moça veio à janela e falou:
                — Aqui você não entra, para não contaminar meus filhos.
                A mulher começou a chorar. Aquela que a expulsava de casa era uma filha de criação, e o rapaz era o marido dela.
                Eu a colocara no chão e fique/parado, pensando: e agora, para onde vou levá-la?
                Então lhe expliquei:
                — Se a senhora não tem para onde ir, eu tenho onde levá-la. Eu tenho a “Casa de Jesus”, mas o máximo que lhe posso dar é uma cama “patente”, um colchão de palha, a comida e nada mais.
                — Meu filho, eu estou na rua. Não tenho para onde ir.
                Era uma mulher que me pareceu fina pela forma que falava. A “filha” pegou uma mala e jogou-a na rua. Eram os únicos bens daquela criatura. Eu chamei o táxi; o chofer estava parado, olhando de longe a cena.
                Carreguei-a de volta ao carro e levei-a para a “Casa de Jesus”. Foi a primeira mulher. Só havia homens internados. Essa criatura veio a morrer nos meus braços. Sabem de quê? Vitimada por lombrigas. Morreu asfixiada. Foi a morte mais terrível que eu já vi. Estávamos conversando, ela começou a tossir e expeliu uma lombriga. Aí começou a vomitar. Eu fiquei apavorado, peguei-a pelas axilas, levantei-a, mas ela morreu asfixiada, pois as lombrigas saíam pelo nariz, por todos os orifícios naturais. Tive um choque tremendo; eu não pude fazer nada. Em momentos, ela morreu. Teria sido salva, possivelmente, com um purgante de óleo, se nós soubéssemos.
                Essa mulher, antes de morrer, um dia, me disse:
                — Pegue ali a minha mala e abra-a.
                Eu a abri. Dentro havia um álbum de fotografias. Por incrível que pareça, essa mulher tinha sido Embaixatriz do Brasil no Egito, na Tchecoslováquia, no Uruguai... Havia sido esposa de um Embaixador, no passado, e terminou os seus dias terrenos numa situação dessas, porque a vida é muito incerta.
                Vivíamos ali, na miséria com os miseráveis. Eu tinha um salário, o Nilson também, tínhamos a casa de meus pais, onde morávamos, mas dávamos tudo o que recebíamos, já que pedíamos a outrem — porquanto fica muito fácil fazer a caridade pedindo aos outros, a gente só entra com o sorriso e a simpatia — por isso, nós vivíamos ali, comendo a mesma comida, pois o dinheiro não dava para que fôssemos comer em outro lugar. Havia alguns poucos amigos que participavam deste trabalho, entre os quais o confrade Augusto Soares.
                Uma noite, eu me encontrava muito sofrido. Tínhamos dezesseis doentes, os colchõezinhos espalhados, tomando todo o espaço disponível. Eu estava pensando: o que vamos fazer? Nessa hora, o Dr. Bezerra me apareceu e contou uma história muito bonita.
               Duas damas (disse ele), muito ricas, da sociedade de Moscou, foram ao Teatro Bolshoi. Assistiram a um peça, uma ópera, que retratava a história de um rei cristão que termina louco. As duas ricas damas, vendo aquela cena choraram, comoveram-se e todo o teatro também. Quando terminou, elas saíram e encontraram um homem, à porta, pedindo esmola. Uma delas, comovida, tirou o pesado casaco de peles para dar-lhe, pois ele estava sofrendo o frio da noite de Moscou. A outra, porém, impediu-lhe o gesto, explicando:
                — Não faça isto! Quando chegarmos a casa mandaremos cobertores. Seu casaco é muito caro, ele não vai valorizá-lo.
                Ela deteve o gesto bom e concluiu:
                — De fato, você tem razão. Vamos fazer como sugeriu.
                Vestiu o casaco novamente, dizendo ao homem: — Daqui a pouco eu lhe mandarei cobertores e agasalhos.
                Entraram na carruagem e foram para o palácio. Ao chegarem, tomaram chá com biscoitos, deitaram-se e esqueceram o necessitado. Pela manhã, a dama generosa lembrou- se do mendigo e chamando um lacaio recomendou-lhe que levasse os cobertores. Quando este chegou ao local o homem estava morto. Morrera congelado pela madrugada.
                O Dr. Bezerra concluiu:
                "Enquanto se discute a caridade, o sofredor morre ao abandono. A caridade tem que ser o socorro do momento, depois discute-se o que se fará. Não fiques triste. Prossegue, assim mesmo, e confia."
                A “Casa de Jesus” me ensinou a trabalhar, a dar banho em doentes, a atender diretamente os enfermos. André ficava totalmente imobilizado e fazíamos tudo para atendê-lo. O outro, hemiplégico, chamava-se Aloísio, também era carregado.
                Durante três anos mantivemos a casa. Numa maré do mês de agosto, que é muito forte, as águas subiram e derrubaram a casa. Tiramos os doentes, rapidamente. Lá no “Caminho da Redenção",  o prédio possuía vários quartos e ali os alojamos, porque a maré tombou a casinha e o terreno sumiu...
                Um dia, quando cheguei para a reunião, Aloísio estava na crise de nervos; aproximando-me dele, perguntei-lhe:
                — Como vai, Aloísio, está melhor?
                Em meio à crise, num acesso de raiva, ele pegou o urinol e derramou-o na minha cabeça. Naturalmente me veio uma reação, mas, eu pensei, ele é um doente mental.
                Tive que ir me limpar e trocar de roupa.
                Depois, quando se iniciou a “Colônia da Fraternidade”, no bairro de Pau da Lima, já não podíamos cuidar deles em outro local. Levamos Aloísio e o colocamos numa casinha. Ele morreu em nossos braços. Assim, nós nos preparamos para esse Cristianismo de ação.
                Agora, as tias já estão ficando idosas. Oito anos atrás, uma delas teve um derrame cerebral.  Quase sempre, aquela que colaborou, quando idosa, é colocada em asilo. É muito cômodo! Lá, na Irmã Dulce, eu creio conseguir as vagas possíveis, no asilo de velhos, pois penso que não me seriam recusadas. Mas, eu reflito que, se elas ajudaram a criar as nossas crianças, agora é a hora de tomarmos conta delas, enquanto viverem.
                Uma coisa comovedora ocorreu. Uma das meninas que ela criou, a Verinha, que já está com dezoito anos, me informou:
                — Tio Divaldo, eu fico ajudando a tia Marieta.
                Nós temos uma enfermeira, funcionários, é só chegar e mandar fazer o necessário, mas eu tenho que dar o exemplo. Porque é muito fácil amar a pessoa bonitinha, sendo difícil amar o aleijado, o feio, o doente. Eu comecei, também, a tomar conta dela, pois eu já adquiri o hábito de tratar os doentes. Para mim, este é o Cristianismo que me faz bem. Pregar é muito fácil, cuidar de crianças é muito gratificante porque nos agrada muito, mas, a Caravana “Auta de Souza”...
                Certo dia, Auta de Souza falou:
                — Meu filho, eu quero que você vá visitar os pobres da invasão.
                Assim, passamos a ir, levávamos sacos de queimados (balas) e distribuíamos. Hoje, nós temos cento e setenta famílias, porém, famílias irrecuperáveis, de hansenianos, de cegos, paralíticos, doentes, loucos. Acompanhamo-los até a hora da morte e fazemos o enterro: a primeira coisa que as velhinhas pedem, é que não sejam jogadas na vala, enroladas em lençol; pelo menos um caixãozinho...
                Temos que convidar os companheiros (não é que todo mundo vá dar banho em pobre, não é isso) para a ação da caridade vivida, numa experiência que fará muito bem a nós mesmos. Devemos lidar com os loucos, os obsidiados, os feridos, os ingratos, porque com os demais a gente recebe a gratificação, nessa convivência agradável que estamos tendo. Está desaparecendo tudo isso, porque o espírita está ficando muito intelectualizado.
                  Isto, a mim, me fascina esse ângulo do Cristianismo, porque aí não há ninguém para competir conosco, não há ninguém para ter inveja, para falar mal, porque ninguém quer ir lá, à lama.
                O exemplo de Chico Xavier a vida inteira é digno de aplauso, porque ele atendia na peregrinação com aquele povo todo, mas, os mais graves, os piores, ele visitava sozinho, nas noites de quinta-feira. Como eu faço as minhas visitas, nos buracos de Pau da Lima, de noite, escondido até do pessoal da “Mansão”, para que ninguém vá comigo, porque, senão, quem faz a caridade são eles e não eu. E quando é que eu vou fazer a caridade? Se eu peço, as pessoas generosas dão e eu aplico isso para os que necessitam, mas esta é a caridade daquelas pessoas. Quando é que eu vou fazer a minha caridade pessoal?! Que não tem que ser, necessariamente, com dinheiro. Portanto, eu vou lá, tenha visitas em casa ou não. Fazemos os Natais todos, mas, depois, de madrugada, escondido, sozinho, eu saio com os meus pacotes para ir aos meus doentes — se é que posso chamá-los assim. Se eu for com a turma toda é uma beleza, mas é uma festa! E eu estaria exibindo os meus necessitados. Por isso, muita gente me vê, mas não me conhece."



sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Assuntos Complementares ao Trabalhador Espírita

    

        Como nosso estudo está apoiado no programa II da apostila da FEB - que foi reelaborada com esmero, diga-se de passagem -, colocaremos aqui assuntos complementares, temas que via de regra não temos espaço para discutir em nosso horário.

       Material que venha de encontro à educação da mediunidade será postado neste blog.

       Material de ordem moral e psico-emocional, que contribua com a reforma íntima do candidato à mediunidade, será postado no blog "O TRABALHADOR ESPÍRITA". Colocarei apenas o título da postagem e o link para ser automaticamente redirecionado ao outro blog.

      Procurarei postar  artigos de acordo com as necessidades do estudo e dos trabalhos da casa.

       Gostaria que voces sugerissem temas que os interessassem. Façam isso nos comentários.

       Abraço a todos, Marcelo

segunda-feira, 28 de março de 2011

Breve ensaio sobre o Mal

“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo que lhe é contrário”
(L.E, questão 630)

Persiste no espírito humano a tendência para o mal, como uma ressonância do primarismo ancestral das experiências transatas da evolução.
No processo de desenvolvimento antropológico, o bi­ótipo mais forte sobreviveu aos demais em razão da bruta­lidade, do volume e da astúcia na luta pela vida. À medida que o homem desenvolveu a inteligência e aplicou-a para proteger-se e preservar a espécie, adquiriu o poder de vencer as feras e os animais gigantescos. Como decorrência, ficou a presença do mal nele dominante, que vem aplicando contra si mesmo - autodestruição, excesso nos vícios - e contra os outros - furtos e roubos, calúnias, ­ perseguições, homicídios e guerras que ameaçam toda a civilização.
Platão identificou-o nas suas observações profundas, denominando-a como face escura do ser; portanto, desco­nhecida, e Carl Gustav Jung constatou-a nos estudos da personalidade, a que chamou de sombra. permanecem os impulsos da violência e da agressi­vidade, as paixões escravizadoras, os instintos indomados que respondem pelo retardamento da auto-iluminação. Trata-se do eu inferior, que representa um perigo para o indivíduo, e que deve ser identificado, a fim de ser combatido com a luz do discernimento e do amor.
O mal é, desse modo, um impulso inconsciente, auto­mático, que emerge do abismo do ser, como mecanismo de sobrevivência, e lhe desata tendências perturbadoras, que se lhe encontravam atadas.

Quanto mais desconhecido do mundo íntimo, mais per­turbações e prejuízos o mal ocasiona. Ignorá-lo é uma forma de deixá-lo livre e em expan­são, permitindo-lhe manifestações freqüentes e danosas no comportamento. A fim de conscientizar-se do mal em si mesmo, faz-se imprescindível o aprofundamento do auto-exame, para encontrar os pontos vulneráveis que o despertam e o de­sencadeiam, predispondo-o para a agressão.
Tentar esmagá-la através de atitudes rígi­das torna-se tarefa inútil, porquanto, à medida que for privado de exteriorizar-se, mais vigor adquire até o mo­mento em que explodirá com virulência danosa. Quando uma força pressiona e encontra resistência, prossegue até a liberação da sua carga, arrebentando ou sendo desarmada.
O comportamento correto em tal caso é aquele que leva à sua identificação – à identificação do impulso - e à capacidade de resistência que possui.
O Espírito não é mau em razão da sua origem divina, porém nele permanece o mal, como a erva daninha mesclado ao trigo bom no mesmo moinho.
Todos os indivíduos são vulneráveis às aflições, que decorrem das enfermidades, das pressões, das agressões, dos distúrbios psicológicos...
Na infância, essas emoções se apresentam como mo­vimentos desordenados, choro, refletindo a impotência da criança diante da dor, do desconforto, de alguma necessi­dade biológica... Mais tarde, expressando-se como medo ou raiva, ela morde e, por fim, com maior recurso de mobilidade, bate, golpeia, foge ou planeja desforço.
Conforme o ambiente, a família, e particularmente a mãe, com quem mantém maior convivência, o mal que é inerente na infância ou se desenvolve, tomando vulto ou dilui-se em grande parte.
Na idade adulta, em razão de outros sentimentos, como vergonha e culpa, que geram tensão, aumentam o medo e a raiva, estimulando à prática do mal, como vingança ou forma cruel de sobrevivência.
O mal pode ser considerado uma emoção de emer­gência, que irrompe com violência quando teme, ou per­manece em silêncio, agindo soturnamente e perturbando aquele que lhe experimenta a constrição.
Quando o mal se manifesta em ação, estimula o siste­ma nervoso simpático supra-renal, que fornece energia para a ação nefasta - a luta - ou para a fuga, até que uma oportunidade própria se lhe desenhe favorável, a fim de descarregar a tensão.
À medida que aumenta essa força e não se faz libera­da, o medo se transforma em raiva, que cresce até tornar­-se fúria, que pode, às vezes, levar ao pânico.
A criatura teme a dor.
Tudo que a conduz ao sofrimento, se não tem o medo sob o controle da verdade e não domina a raiva, no mal se exterioriza para agredir e relaxar-se.
Certamente, a vontade não tem maior ação sobre o medo, que irrompe com ou sem motivo lógico e apavora, mas possui grande ascendência sobre a raiva que pode ser administrada.
A raiva não pode ser considerada uma manifestação destrutiva, mas sim uma reação orgânica, porquanto de­saparece, quando lhe cessa a causa.
Quando o indivíduo se vê sitiado, o mal nele existente se transforma em fúria, que tudo arrebenta e destrói. A fúria enceguece, nublando o raciocínio e anulando a vontade.
A culpa sempre irrompe após as atitudes que afligem as demais pessoas, causadas intencionalmente ou não. De início, é um sentimento de vergonha da própria inferioridade, que cresce e se transforma. O desabrochar do sentimento de culpa proporciona a sensação de haver perdido o respeito que inspirava a afeição, gerando desconfiança e instabilidade.
A vergonha da ação praticada produz humilhação e rejeição, empurrando para o desconforto emocional e as suspeitas infundadas, em batalha mental constante que aturde o ser.
Quando se trata de uma pessoa madura psicologica­mente, desperta e procura os meios para a reparação.
Po­rém, quando se é infantil emocionalmente, foge-se, toma­do pela vergonha do erro, procurando mecanismos de autojustificação ou de autopunição, que desencadeiam o mal adormecido e faz que se converta em mágoa contra si mesmo ou contra aquele que foi o seu causador.
A falta de responsabilidade induz à acusação a ou­trem, por haver criado as circunstâncias que desencadea­ram o incidente, mesmo que não existam. É esta uma forma infantil de o infrator autojustificar-se. O conflito predominante no ser impede-o de discernir com claridade, sendo sempre a culpa das outras pessoas, quase nunca dele próprio.

Um dia, porém surge, em que o mal libera a consciên­cia e a percepção racional corrige o entendimento do fato, advindo a necessidade da reparação. |Porém, se o ser é tomado por insegurança e medo, a ação negativa se transforma em mecanismo de autopu­nição, transtornando o comportamento psicológico e o mundo interior, privando-o da paz e trazendo-lhe sofrimento.
A vergonha e a culpa devem ser trabalhadas com es­pontaneidade, com segurança, a partir do momento em que a pessoa se considere humana, portanto, sujeita a julgamentos e atos equivocados, que pode e deve corrigir.
O mal interior se disfarça com as roupagens de sentimentos variados.
Sua descoberta contribui para a sua erradicação, terapeuticamente investindo-se na saúde emo­cional, espiritual e comportamental.
Não se trata de um empreendimento fácil, nem rápi­do. A eliminação de um condicionamento ocorre median­te o esforço de substituí-lo por outro, no caso, um que seja saudável e benfazejo. Qualquer espaço em aberto se preenche com facili­dade, ou fica vulnerável à reinstalação do hábito anterior.
A cada impulso negativo, do mal existente, deve-se aplicar uma formulação racional, tranqüila, que transforma a reação agressiva ou vil em ação dignificante e paci­ente.

A personalidade é um abismo ainda desconhecido com mistérios complexos para serem desvendados.
No inconsciente do ser dormem milênios em que se encontram os impulsos automáticos, que a razão vem su­perando, mas necessitam ser de codificados, para, logo diluídos, cederem lugar às ações edificantes.
Herdando as experiências sucessivas, o ser humano fi­xou-as no consciente que, de alguma forma, passa a diri­gir-lhe a conduta nesse árduo trânsito para a autoconsci­ência, quando poderá e saberá agir com equilíbrio, res­peitando a lei de Deus e tudo realizando conforme as suas disposições.

O mal é a ausência do bem, sem dúvida, que ainda não se instalou e que contribui para agredir a vida, pertur­bá-la e até tentar extingui-la.
A sua existência é real, enquanto permanece afligindo e gerando a dor, que induzirá, por fim, aquele que o expe­rimenta, a uma radical mudança de conduta.
Negar-lhe a realidade constitui perigosa forma de es­camoteá-lo.
Essa natureza do eu inferior deverá ceder lugar à to­talidade do eu superior.

Na terapia para a diluição do mal, o amor exerce fun­ção essencial, por oferecer segurança àquele que se faz vítima da distonia produzida pelo instinto, auxiliando-o a educar a vontade, a corrigir a óptica pela qual observa a vida e a faz avançar na ação do bem, etapa-a-etapa, pois que essa mudança não se dará de chofre ou sob o encantamento do entusiasmo de um momento.
Exercícios mentais de reflexão em torno de pensamen­tos edificantes, análises sobre vidas abnegadas, contribu­em para a instalação de paisagens otimistas no ser, onde se pode respirar o bem-estar, sem os aguilhões da inveja, do egoísmo, da agressividade.
O auto-exame dos atos e a vigilância na conduta igual­mente facultam o clima para a preceterapia libertadora, que eleva o Espírito e o envolve em vibrações superiores que o penetram e o desalgemam do mal, a fim de que possa aplicar-se ao bem, conforme a lei de Deus.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Introdução ao trabalho mediúnico

Responsabilidade Mediúnica*
Manoel Philomeno de Miranda

Uma reunião mediúnica séria, à luz do Espiritismo, é constituída por um conjunto operacional de alta qualidade, em face dos objetivos superiores que se deseja alcançar.
Tratando-se de um empreendimento que se desenvolve no campo da energia, requisitos graves são exigidos, de forma que sejam conseguidas as realizações, passo a passo, até a etapa final.
Não se trata de uma atividade com características meramente transcendentais, mas de um labor que se fundamenta na ação da caridade, tendo-se em vista os Espíritos aos quais é direcionado.
Formada por um grupamento de pessoas responsáveis e conscientes do que deverão realizar, receberam preparação anterior, de modo a corresponderem aos misteres a que todos são convocados para exercer, no santificado lugar em que se programa a sua execução.
Deve compor-se de conhecedores da Doutrina Espírita e que exerçam a prática da caridade sob qualquer aspecto possível, de maneira a conduzirem créditos morais perante os Soberanos Códigos da Vida, assim atraindo as Entidades respeitáveis e preocupadas com o bem da Humanidade.
 Resultado de dois aglomerados de servidores lúcidos – desencarnados e reencarnados – que têm como responsabilidade primordial manter a harmonia de propósitos e de princípios, a fim de que os labores que programam sejam executados em perfeito equilíbrio.
Para ser alcançada essa sincronia, ambos os segmentos comprometem-se a atender os compromissos específicos que devem ser executados.
Aos Espíritos orientadores compete a organização do programa, desenhando as responsabilidades para os cooperadores reencarnados, ao tempo em que se encarregam de produzir a defesa do recinto, a seleção daqueles que se deverão comunicar, providenciando mecanismos de socorro para antes e depois dos atendimentos.
Confiando na equipe humana que assumiu a responsabilidade pela participação no trabalho de graves conseqüências, movimentam-se, desde às vésperas, estabelecendo os primeiros contatos psíquicos daqueles que se comunicarão com os médiuns que lhes servirão de instrumento, desenvolvendo afinidades vibratórias compatíveis com o grau de necessidade de que se encontram possuídos.
Encarregam-se de orientar aqueles que se comunicarão, auxiliando-os no entendimento do mecanismo mediúnico, para evitar choques e danos à aparelhagem delicada da mediunidade, tanto no que diz respeito às comunicações psicofônicas atormentadas quanto às psicográficas de conforto moral e de orientação.
Cuidam de vigiar os comunicantes, poupando os componentes da reunião de agressões e de distúrbios defluentes da agitação dos enfermos mentais e morais, bem como das distonias emocionais dos perversos que também são conduzidos ao atendimento.
Encarregam-se de orientar o critério das comunicações, estabelecendo de maneira prudente a sua ordem, para evitar tumulto durante o ministério de atendimento, assim como impedindo que o tempo seja malbaratado por inconseqüência do padecente desencarnado.
Nunca improvisam, porquanto todos os detalhes do labor são devidamente examinados antes, e quando algo ocorre que não estava previsto, existem alternativas providenciais que impedem os desequilíbrios no grupo.
Equipamentos especializados são distribuídos no recinto para utilização oportuna, enquanto preservam o pensamento elevado ao Altíssimo...
Concomitantemente, cabem aos membros reencarnados as responsabilidades e ações bem definidas, para que o conjunto se movimente em harmonia e as comunicações fluam com facilidade e equilíbrio. Todo o conjunto é resultado de interdependência, de um como do outro segmento, formando um todo harmônico.
Aos médiuns é imprescindível a serenidade interior, a fim de poderem captar os conteúdos das comunicações e as emoções dos convidados espirituais ao tratamento de que necessitam.
A mente equilibrada, as emoções sob controle, o silêncio íntimo, facultam o perfeito registro das mensagens de que são portadores, contribuindo eficazmente para a catarse das aflições dos seus agentes.
O médium sabe que a faculdade é orgânica, mantendo-se em clima de paz sempre que possível, não apenas nos dias e nas horas reservadas para as tarefas especiais de natureza socorrista, porquanto Espíritos ociosos, vingadores, insensatos que envolvem o planeta encontram-se de plantão para gerar dificuldades e estabelecer conflitos entre as criaturas invigilantes.
Por outro lado, o exercício da caridade no comportamento normal, o estudo contínuo da Doutrina e a serenidade moral, são-lhe de grande valia, porque atraem os Espíritos nobres que anelam por criar uma nova mentalidade entre as criaturas terrestres, superando as perturbações ora vigentes no planeta.
Não é, porém, responsável somente o medianeiro, embora grande parte dos resultados dependam da sua atuação dignificadora, o que lhe constituirá sempre motivo de bem-estar e de felicidade, por descobrir-se como instrumento do amor a serviço de Jesus entre os seus irmãos.
Aos psicoterapeutas dos desencarnados é impositivo fundamental o equilíbrio pessoal, a fim de que as suas palavras não sejam vãs, e estejam cimentadas pelo exemplo de retidão e de trabalho a que se afervoram.
O seu verbo será mantido em clima coloquial e sereno, dialogando com ternura e compaixão, sem o verbalismo inútil ou a presunção salvacionista, como se fosse portador de uma elevação irretocável.
Os sentimentos de amor e de misericórdia igualmente devem ser acompanhados pelos compromissos de disciplina, evitando diálogos demorados e insensatos feitos de debates inconseqüentes, tendo em vista que a oportunidade é de socorro e não de exibicionismo intelectual.
O objetivo da psicoterapia pela palavra e pelas emanações mentais e emocionais de bondade não é o de convencer o comunicante, mas o de despertá-lo para o estado em que se encontra, predispondo-o à renovação e ao equilíbrio, nele se iniciando o despertamento para a vida espiritual.
Conduzir-se com disciplina moral, no dia-a-dia da existência, é um item exigível a todos os membros da grei, a fim de que a amizade, o respeito e o apoio dos Benfeitores auxiliem-nos na conquista de si mesmos.
Numa reunião mediúnica séria, não há lugar para dissimulações, ressentimentos, antipatias, censuras, porque todos os elementos que a constituem têm caráter vibratório, dando lugar a sintonias compatíveis com a carga emocional de cada onda mental emitida.
Desse modo, não há porque alguém preocupar-se em enganar o outro, porquanto, se o fizer, a problemática somente a ele próprio perturbará.
À equipe de apoio se reservam as responsabilidades da concentração, da oração, da simpatia aos comunicantes, acompanhando os diálogos com interesse e vibrando em favor do enfermo espiritual, a fim de que possa assimilar os conteúdos saudáveis que lhe são oferecidos.
Nunca permitir-se adormecer durante a reunião, sob qualquer justificativa em que o fenômeno se lhe apresente, porque esse comportamento gera dificuldades para o conjunto, sendo lamentável essa autopermissão...
Aos médiuns passistas cabem os cuidados para se manterem receptivos às energias saudáveis que provêm do Mundo Maior, canalizando-as para os transeuntes de ambos os planos no momento adequado.
Todo o movimento entre as duas esferas de ação deve acontecer suavemente, como num centro cirúrgico, que o é, de modo a refletir-se na segurança do atendimento que se opera.
Os círculos mediúnicos sérios, que atraem os Espíritos nobres e que encaminham para os seus serviços aqueles desencarnados que lhes são confiados, não podem ser resultado de improvisações, mas de superior programação.
Os membros que os constituem estarão sempre atentos aos compromissos assumidos, de forma que possam cooperar com os Mentores em qualquer momento que se faça necessário, mesmo fora do dia e horário estabelecidos.
Pontualidade de todos na freqüência, cometimento de conduta no ambiente, unção durante os trabalhos e alegria por encontrar--se a serviço de Jesus, são requisitos indispensáveis para os resultados felizes de uma reunião mediúnica séria à luz do Espiritismo.


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*Página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, na reunião mediúnica da noite de 28 de agosto de 2007, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia. Publicada em Reformador. Rio de Janeiro: FEB. Ano125. Nº 2.144.  Novembro 2007, p. 414-416.