quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Opinião de Divaldo sobre a enxurrada de livros "espíritas" no mercado

O movimento espírita tem sido invadido por uma enxurrada de publicações que trazem a informação de serem mediúnicas. Temos visto que os dirigentes, vários deles, não utilizam qualquer critério de seleção doutrinária. O que nos aconselha?

 "O nosso pudor em torno do Index Expurgatorius da Igreja Romana leva-nos, sem nos darmos conta, a uma tolerância conivente. Como não nos é lícito estabelecer um mapa de obras que mereçam ser estudadas em detrimento daquelas que trazem informações inautênticas em torno dos postulados espíritas, muitos dirigentes, inadvertidamente, divulgam obras que prejudicam mais a compreensão do Espiritismo do que aclaram.
É muito comum dizer: mas é muito boa! Mas, muito boa, porém não uma obra espírita e no que diz respeito à mediunidade, a mediunidade ficou tão barateada, tão vulgarizada, que perdeu aquele critério com que Allan Kardec a estuda em “O Livro dos Médiuns”.
O médium é médium desde o berço. Os fenômenos nos médiuns ostensivos começam na infância e quando têm a felicidade de receber a diretriz da Doutrina, torna-se o que Chico Xavier denominava com muita beleza: mediunidade com Jesus. O que equivaleria dizer: a mediunidade ética, a mediunidade responsável, criteriosa, a mediunidade que não se permite os desvios do momento, os modismos.
Mas a mediunidade natural pode surgir em qualquer época e ela surge como inspiração. O indivíduo pode cultivá-la, desenvolve-la naturalmente.
Vem ocorrendo uma coisa muito curiosa, pela qual, alguns espíritas desavisados, de alguma maneira, são responsáveis: se o livro é de um autor encarnado, não se lê, porque como se ele não tivesse autoridade de expender conceitos em torno da Doutrina. Mas, se é um livro mediúnico, ele traz um tipo de mística, de uma chancela, e as pessoas logo acham que é o máximo. Adotam esse livro como um Vade Mecum, trazendo coisas que chocam porque vão de encontro aos postulados básicos do espiritismo.
Entra agora uma coisa que é profundamente perturbadora: o interesse comercial. Vender o livro sob a justificativa de que as Casas Espíritas necessitam de recursos. Para atender as necessidades, vendem obras de autoajuda, de esoterismo, de outras doutrinas, quando deveríamos cuidar de divulgar as obras do Espiritismo, tendo um critério de coerência.
Quando visitei Paris pela primeira vez, em 1967, eu fui ver e conhecer a Union Spirite Française que ficava na Rua Copernique, número 8. Era período de férias, agosto a setembro, praticamente a Europa fecha-se e a França, principalmente. A Union estava fechada. Chamou-me a atenção as vitrinas que exibiam obras: não tinha uma espírita. Eram obras esotéricas, eram obras hinduístas, eram obras de Madame Blavatsky. São todas respeitáveis, mas não temos compromisso com elas. O nosso compromisso é com Jesus e com Kardec, sem nenhum fanatismo e sem nenhuma restrição pelas outras obras, que consideramos valiosas para cultura, para ampliação do entendimento. Mas, temos que optar por conhecer a Doutrina que professamos.
Verificamos, neste momento, essa enxurrada perniciosa, porque saem mais de cinquenta títulos de obras pseudomediúnicas por mês, pelo menos que nos chegam através dos catálogos, tornando-se impossíveis de serem lidas. O que ocorre? Eu recebo entre 10 e 20 solicitações mensais, pedindo aos Espíritos prefácios para obras que ainda estão sendo elaboradas. A pressa desses indivíduos de projetar a imagem, de entrarem nesse pódium do sucesso é tão grande que ainda não terminaram de psicografar - quando é psicográfica - ou de transcrevê-la, quando é inspirada, ou de escrevê-la, quando é de próprio punho, de própria concepção, já preocupado com o prefácio. Eu lhes digo: Bom, aos Espíritos eu não faço solicitações. Peço desculpas por não poder mandar o prefácio desejado. Espere, pelo menos, concluir o trabalho. Pode ser que eu morra, pode ser que você morra e pode ser que o Guia reencarne antes de terminar a obra.
A um que insistiu muito, contei uma história dos tempos homéricos, das dificuldades entre palestinos e judeus. Um judeu caiu nas mãos de um Sheik que morava à borda do deserto e, de imediato, ele foi condenado à morte. Deveria ser enforcado daí a três dias.
A notícia foi mandada de oásis em oásis pelo deserto, e, no dia aprazado, uma multidão cercou-se da praça em que o judeu ignóbil ia ser enforcado. No momento azado, o Sheik perguntou-lhe se tinha algum pedido a fazer e ele disse:
— Tenho, sim. Tenho apenas um pedido. Eu desejo pedir ao nobre Sheik que me poupe a vida.
O Sheik disse:
— Mas é impossível, você é nosso inimigo! Nós somos primos pela nossa origem do Pai Abrahão, mas isto é impossível. Por que desejaria viver?
— Porque eu sei que o nobre Sheik ama muito os cavalos; os cavalos árabes são de sangue puro, são os melhores do mundo e eu sei que nobre Sheik tem um cavalo ao qual ama com enternecimento.
E continuou:
— A minha vida é inútil. Tive uma ideia, na minha condição de judeu que estudou a Torah e sabe do pensamento de Deus. Proponho-me a pedir um ano de vida para poder ensinar seu cavalo a falar.
O Sheik foi tomado de espanto:
— Mas, você garante que o meu cavalo vai falar?
— Sem dúvida. Se ele não falar dentro de um ano, ao terminar o prazo o senhor me mata, não perco nada. Vai me matar de qualquer forma.
O Sheik emocionado, aplaudido pelos súditos, mandou que o levassem à baia, que ele tirasse o cavalo e tomasse as primeiras providências, assistido por escravos que o vigiavam.
Ele ganhou um ano de vida e saiu eufórico. Quando atravessava a multidão, alguém disse:
— Mas, que judeu estúpido! Será que ele não está vendo que esse cavalo não vai falar nunca!
Ele sorriu e respondeu:
— Não sei. Mas eu ia morrer agora e ganhei um ano e em um ano muita coisa pode acontecer. Pode ser que eu morra, pode ser que morra o Sheik ou pode ser que o cavalo fale. Não perco nada!
Foi uma proposta extraordinária. Aí, adiantei para o médium: pode ser que eu morra antes do prefácio, pode ser que você morra ou o guia reencarne. É possível que o livro fique inconcluso.
É uma onda de perturbação para minar-nos por dentro. O Codificador nos recorda que os piores inimigos estão no próprio Movimento, o que torna muito difícil a chamada seleção natural. Nós deveremos ter muito cuidado ao examinar esses livros. Penso que as instituições deveriam ter uma comissão para lê-los, avaliar a sua qualidade e divulgá-los ou não, porquanto as pessoas incautas ou desconhecedoras do Espiritismo fascinam-se com ideias verdadeiramente absurdas.
Tenho ouvido e visto declarações pessoais de médiuns que dizem não serem espíritas e não terem nenhum vínculo com qualquer “ismo”; são livres atiradores e as suas obras são vendidas nos Centros Espíritas, porque vendem muito. Até amigos muito queridos têm, em suas livrarias, nos Centros Espíritas que frequentam, essas obras que são romances interessantes, como os antigos romances de Agatha Christie, de M. Dellyt e tais. Mas essas obras não são espíritas, embora ditadas por um Espírito, mas ditadas ao computador.
Muitos perguntam: Divaldo, por que é que você não psicografa direto no computador? Eu digo: por carma. Eu já pedi a Joanna, por ser tão fácil, porque eu psicografo ainda, antes à lápis, agora à esferográfica? Tenho um calo. Depois eu tenho que digitar. É uma trabalheira. Insisti com Joanna: Por que a senhora não psicografa, me toma e escreve? Respondeu-me:
— Meu filho, no meu tempo não tinha computador. Era máquina, ainda, para ser desenhada no séc. XIX e não pretendo aprender computação agora.
E, sorrindo, ela me diz:
— Necessitamos do fluido nervoso, desse intercâmbio alma a alma, perispírito a perispírito.
Essas obras são muito interessantes, ninguém contesta, mas o tempo que se gasta, lendo-as, é um desvio do tempo de aprendizagem da Doutrina Espírita. As pessoas ficam sempre à margem, não se aprofundam. Observo, em nossa Instituição, pelas perguntas infantis que me fazem.
Ainda, há poucos dias, recebi um e-mail pedindo que eu interrogasse os bons Espíritos a respeito do seguinte: a pessoa era espírita, leu as obras de fulano, de beltrano e de cicrano, que não são espíritas e apesar disso é espírita e estava com muita dificuldade financeira. Tinha um pequeno capital e queria investi-lo para poder ter uma vida digna, sobreviver com a aplicação. Perguntava-me o que é que os Espíritos achavam dela construir um motel numa estrada para ganhar dinheiro.
Eu fiquei pensando: ou é brincadeira ou é um teste para avaliar meu equilíbrio. Deletei, é claro. Mas, serve para a gente ver a mentalidade: é espírita.
Um outro. Contou-me uma médica, que havia sido assaltada com o marido. Um grupo de cinco bandidos assaltara-os e levara-os a uma praia. Dois deles vieram à cidade com os cartões de crédito para retirar dinheiro e três outros ficaram, armados. Essa médica, espiritista realmente, vendo que os jovens estavam muito aturdidos, tentou uma comunicação qualquer. Percebeu que um deles era mais acessível. Quando os outros dois se afastaram um pouco ali na praia, começou a falar:
— Você tão jovem, por que está no caminho do crime?
Ele respondeu grosseiramente:
— Cale a boca, porque nós temos ordem de matar vocês. Quer retiremos o dinheiro, quer não, estamos esperando o telefonema para matar. Vou dar uma dica: na hora em que os colegas se afastarem, dá-me um soco, pegue uma pedra, faça qualquer coisa, me atire no chão e fujam, porque vocês vão morrer.
— Por que é que você está me dizendo isso?
— Porque eu sou espírita.
Era um ladrão espírita! Vejam que coisa!
— Eu sou espírita e frequento o Centro Espírita tal. Sou devoto do Dr. Bezerra de Menezes. O Dr. Bezerra até hoje me protegeu, a polícia não me pegou de jeito nenhum, graças aos passes que eu tomo no Centro Espírita. Tal a minha devoção ao Dr. Bezerra que quero retribuir, salvando a vida de vocês. Vou empurrar uma pedra para cá. Podem me jogar a pedra com força, eu desmaio e vocês fogem.
Ficou aturdida, os outros pareciam drogados, ele era um jovem de 19, 20 anos. Arranjou um jeito, o marido encontrou uma pedra, deu uma pedrada nele e saíram correndo. Perderam-se na escuridão.
Conseguiram salvar-se porque chegaram ao asfalto e receberam ajuda, foram à polícia, tomaram providencias. Foram feitos saques que não eram grandes.
Quinze dias depois, exatamente, ela estava no pronto-socorro, quando dá entrada um jovem que fora esfaqueado. Ela corre para o atender, era o ladrão espírita.
Ele pede:
— Doutora, não me denuncie. Lembre-se que salvei a sua vida.
— Não vou denunciá-lo, O que aconteceu com você?
— Acho que o Dr. Bezerra não está muito de acordo com minha vida e me deu esta lição. Eu vou sair do crime se a senhora me ajudar.
Quanta ingenuidade! Quanto desconhecimento do Espiritismo!
São os papa-passes, que acham que o passe resolve tudo. A responsabilidade é dos passistas, que aplicam os passes mas não esclarecem as pessoas quanto à necessidade da transformação moral para não precisarem de mais passes.
É necessário que procuremos divulgar a Doutrina, conforme nós a herdamos do íncílito Codificador e das entidades venerandas, que preservaram essa Doutrina extraordinária, para que nós possamos contribuir com a construção de um mundo melhor.
A respeito desses livros que proliferam, me causam surpresa, quando amigos com quarenta, cinquenta anos de idade, pessoas lúcidas, pessoas cultas, que nunca foram médiuns, ou, pelo menos, jamais o disseram, escrevem livros até ingênuos, que nem são bons nem são maus, e rotulam como mediúnicos e passam a vender, porque são mediúnicos.
Realmente, a questão deve ser muito bem estudada, inclusive, penso, que pelo Conselho Federativo Nacional para se tomar uma providência. Não de cercear-se a liberdade — não temos esse direito, mas pelo menos de esclarecer os leitores e procurar demonstrar quais são as características de uma obra espírita e as características de uma obra imaginativa.
Um dos livros mais vendidos, dito mediúnico, tem verdadeiras aberrações, em que a entidade fez do mundo espiritual uma cópia do mundo físico, ao invés de o mundo físico ser uma cópia do mundo espiritual. Inverteu, porque o Espírito está tão físico no mundo espiritual! E um Espírito do sexo feminino, que tem os fluxos catamênicos no mundo espiritual e que vai ao banheiro e dá descarga!
Outras obras, igualmente muito graves, falam de relacionamentos sexuais para promoverem reencarnação no Além. Ora, a palavra reencarnação já caracteriza tomar um corpo de carne. Como reencarnar no Além, no mundo de energia, de fluidos, onde não existe a carne? O Além, com ninhos de passarinhos multiplicando-se, em que as aves vêm, chocam e nascem os filhotinhos. Não é que estejamos contra qualquer coisa, mas é que são delírios, pura fascinação.
Acredito que alguns desses médiuns são médiuns autênticos. Ocorre que eles não perderam a mediunidade, a sua faculdade mediúnica é que mudou de mãos, daquelas entidades respeitáveis para as entidades frívolas que estão criando verdadeiros embaraços, porque em determinados seminários, palestras, fazem perguntas diretas e ficamos numa situação delicada, porque citam os nomes. Toda vez que dizem os nomes eu me recuso responder. Numa pergunta em tese muito bem, mas declinar nomes, não. Não tenho esse direito de levar alguém ao escárnio.
Dessa forma, o problema é mais grave do que parece, porque muitos também estão fazendo disso profissão, embolsam o resultado das vendas. Enquanto outros justificam obras de má qualidade, por terem um objetivo nobre: ajudar obras de assistência social. Os meios não justificam os fins."

A CASA DE JESUS

 

                Algumas considerações sobre ser cristão e ser espírita. Relato de Divaldo Pereira Franco.

                ... "Um espírita, nos moldes do cristão primitivo... Eu via os companheiros fazendo palestras (sem censurá-los) e, saindo dali, eram homens do mundo, pessoas comuns, agradáveis; tiravam seus largos períodos de férias, faziam “estação de águas”. Quando meditava sobre o Cristianismo primitivo, o que me empolgava era ver os ricos se tornarem simples; os poderosos se tornarem amigos. E então eu notava que muitos companheiros se tornavam espíritas e, simples que eram, ficavam presunçosos; pobres que eram, ficavam com “status” de ricos, sem ter os meios. isso me chocava muito, porque, se o Espiritismo é a revivescência do Cristianismo, conforme acreditamos, nós teríamos que viver à semelhança dos cristãos. Não é que se deva deixar as roupas e andar maltrapilho. Não é a postura externa, porque uma pessoa pode estar coberta de jóias e ser simples, e outra pode estar pedindo esmolas e ser orgulhosa... Mas, é que o Cristianismo tem que ser uma revolução interna, em que se veja, no próximo, a figura do irmão, realmente, e não a de alguém a quem estamos beneficiando.
                Nós já adquiríramos a “Mansão do Caminho”, o lar de crianças, àquele tempo, mas havia muita gente que me ajudava. Eu apenas auxiliava banhando os internos, como até hoje o faço.
                Então, um dia, pensei:
                — Meu Deus! Todo mundo só pensa em fazer obra para quem vai viver; a maternidade, a escola, o hospital, a creche, etc. — e para quem vai morrer? Se nós cremos que a vida continua, temos que preparar a pessoa para a vida que irá enfrentar.
                Eu passava de ônibus ou de bonde e via as pessoas dormindo embaixo das marquises. Isso me provocava uma grande dor e dizia-me a mim mesmo: estão morrendo! Por que os hospitais não possuem um lugar para acolhê-los, nem a Santa Casa de Misericórdia, sequer?
               Foi quando sonhei em fazer uma obra que fosse um desafio para minha juventude. Não pensei em uma obra para os outros trabalharem e, sim, para eu próprio trabalhar. Porque é muito cômodo construir uma obra para os outros se esforçarem, e os fundadores ficarem de longe. Assim, imaginei uma casa para se morrer.
                Um dia, conversando com Chico Xavier, propus-lhe:
                — Pergunte ao Dr. Bezerra o que ele acha dessa idéia.
                O Dr. Bezerra informou-nos, então, que seria ideal um trabalho de tal natureza, porque as pessoas pensam muito em obras, fazer construções e plantas e mil coisas e, enquanto estão discutindo, “a caridade chega atrasada”. Durante o tempo em que se está planejando, os pobres estão morrendo. Então, vamos começar atendendo o pobre no fogão de tijolo, até o dia em que possa ter o elétrico.
                Viajei a São Paulo para uma série de palestras. Estava numa reunião quando contei esta minha idéia, mas não dispunha dos meios para concretizá-la. Uma senhora presente sensibilizou-se com o projeto e, para minha surpresa, falou:
                — Senhor Divaldo, eu sempre desejei ser útil. Sou uma mulher muito rica, da sociedade, e mesmo que eu queira visitar os pobres, mesmo que eu queira ir à favela, o meu marido nunca o permitiria, criando um problema doméstico. O senhor tem vontade de fazer isso e não tem o dinheiro. Eu tenho o dinheiro e a vontade, e não posso fazê-lo. Então vou dar-lhe os recursos para que o senhor concretize esse trabalho. Quanto será necessário para adquirir uma casa como a que necessita?
                Eu havia imaginado uma casa dentro do mangue, da invasão, dentro da lama do mar. Respondi-lhe:
                — Vinte mil cruzeiros. (Vamos dizer que essa quantia corresponda hoje a duzentos mil)
                Ela abriu a caderneta, preencheu um cheque e mo entregou.
                — Aqui está. Agora o problema é com o senhor.
                Vejam as bênçãos da Divindade. Cheguei a Salvador, fui à região da invasão e encontrei uma tapera. Uma ruína de taipa (feita com varas e barro), dentro da lama. Porque eu queria um lugar onde se pudesse levar uma pessoa em quase decomposição... Num lugar muito arrumadinho, o pobre não pode cuspir à vontade.
                Coloquei à porta uma tabuleta com o nome: CASA DE JESUS.
                Tinha dois quartos, uma saleta e uma cozinha que é um “cochicho” (uma palavra baiana), que era um nada. E deveria ficar sempre aberta.
                Saímos e fomos recolher os que dormiam em baixo das marquises. Recolhemos um epiléptico. Ele teve tantas crises de epilepsia que ficou deformado; sofria de artritismo e reumatismo e consolidou várias juntas — não dobrava o corpo. Chamava-se André. Vivia em constantes crises convulsivas. Tinha uma ferida na cabeça que não cicatrizava. Colocamos até creolina para que os bichos saíssem.
                Eu era uma pessoa sensível. Nasci num lar modesto, mas asseado. Isso me dava uma repugnância de estômago — pela falta de hábito. Eu fazia os curativos engulhando e até vomitando, às vezes.
                Depois, ele, como epiléptico, na crise, perdia o controle dos esfíncteres. Eu e Nilson o lavávamos. Nós, com alguns amigos, dávamos os plantões noturnos.
                Apareceu-nos uma senhora, Dona Antônia Vilas-Boa. Ela me propôs:
                — Durante as horas em que vocês estiverem trabalhando, eu passo aqui para cozinhar, tomar conta da casa. Vou convidar umas amigas que freqüentam o “Caminho da Redenção”.
                Assim, duas ou três senhoras, pobres como nós, passavam o dia, enquanto nós, os homens, passávamos a noite. A casa ficava aberta vinte e quatro horas.
                Depois, veio um outro doente, que era psicopata e tivera um derrame cerebral. Em seguida, veio uma senhora que eu encontrei na rua. Foi a cena mais comovedora da minha vida.
                Essa mulher teve varíola e a amputação de uma perna, com câncer. Eu a vi atravessando a Praça Municipal, pulando, segurando-se a um pau, à guisa de apoio. Fui até ela, peguei-lhe o braço, coloquei-o em meu ombro. Havia um rapazinho moreno ao seu lado, em silêncio
                — A senhora quer ajuda? — indaguei-lhe.
              — Quero, sim, senhor!
                Ela havia saído do hospital de isolamento e ia para um bairro muito pobre, muito longe, teria que tomar o bonde.
                Observando-a, a saltar, com tanta dificuldade, pensei Meu Deus! Como é que essa criatura vai pegar o bonde, depois de sair do hospital neste estado?
                Olhei ao redor e vi um táxi. Eu nunca havia usado uni táxi, porque não podia. Fui até o chofer e perguntei-lhe pei quanto a levaria até a casa. Ele falou uma quantia que eu não tinha e eu lhe disse.
                  — O que é? — indagou-me.
                  — É para levar aquela senhora ali.
                — O que ela é sua?
                — Nada, encontrei-a agora — esclareci.
                O chofer me olhou e respondeu:
                — Se você pode fazer a caridade, por que eu também não posso? Quanto é que você tem?
                Eu tomei do que tinha e lhe entreguei. Ele recebeu-o, dizendo:
                —Você dá a sua parte e o resto fica por minha conta.
                Eu a coloquei no carro com o rapazinho e fomos até aonde o carro pôde ir. Quando chegou no ponto em que os buracos impediam a sua passagem, descemos e eu a carreguei. O rapaz ao lado, assistindo a tudo em silêncio.
                Levei-a até uma “avenida” de casas — um beco de casas, uma viela. Ela me apontou uma casinha humilde e quando chegamos em frente, uma moça veio à janela e falou:
                — Aqui você não entra, para não contaminar meus filhos.
                A mulher começou a chorar. Aquela que a expulsava de casa era uma filha de criação, e o rapaz era o marido dela.
                Eu a colocara no chão e fique/parado, pensando: e agora, para onde vou levá-la?
                Então lhe expliquei:
                — Se a senhora não tem para onde ir, eu tenho onde levá-la. Eu tenho a “Casa de Jesus”, mas o máximo que lhe posso dar é uma cama “patente”, um colchão de palha, a comida e nada mais.
                — Meu filho, eu estou na rua. Não tenho para onde ir.
                Era uma mulher que me pareceu fina pela forma que falava. A “filha” pegou uma mala e jogou-a na rua. Eram os únicos bens daquela criatura. Eu chamei o táxi; o chofer estava parado, olhando de longe a cena.
                Carreguei-a de volta ao carro e levei-a para a “Casa de Jesus”. Foi a primeira mulher. Só havia homens internados. Essa criatura veio a morrer nos meus braços. Sabem de quê? Vitimada por lombrigas. Morreu asfixiada. Foi a morte mais terrível que eu já vi. Estávamos conversando, ela começou a tossir e expeliu uma lombriga. Aí começou a vomitar. Eu fiquei apavorado, peguei-a pelas axilas, levantei-a, mas ela morreu asfixiada, pois as lombrigas saíam pelo nariz, por todos os orifícios naturais. Tive um choque tremendo; eu não pude fazer nada. Em momentos, ela morreu. Teria sido salva, possivelmente, com um purgante de óleo, se nós soubéssemos.
                Essa mulher, antes de morrer, um dia, me disse:
                — Pegue ali a minha mala e abra-a.
                Eu a abri. Dentro havia um álbum de fotografias. Por incrível que pareça, essa mulher tinha sido Embaixatriz do Brasil no Egito, na Tchecoslováquia, no Uruguai... Havia sido esposa de um Embaixador, no passado, e terminou os seus dias terrenos numa situação dessas, porque a vida é muito incerta.
                Vivíamos ali, na miséria com os miseráveis. Eu tinha um salário, o Nilson também, tínhamos a casa de meus pais, onde morávamos, mas dávamos tudo o que recebíamos, já que pedíamos a outrem — porquanto fica muito fácil fazer a caridade pedindo aos outros, a gente só entra com o sorriso e a simpatia — por isso, nós vivíamos ali, comendo a mesma comida, pois o dinheiro não dava para que fôssemos comer em outro lugar. Havia alguns poucos amigos que participavam deste trabalho, entre os quais o confrade Augusto Soares.
                Uma noite, eu me encontrava muito sofrido. Tínhamos dezesseis doentes, os colchõezinhos espalhados, tomando todo o espaço disponível. Eu estava pensando: o que vamos fazer? Nessa hora, o Dr. Bezerra me apareceu e contou uma história muito bonita.
               Duas damas (disse ele), muito ricas, da sociedade de Moscou, foram ao Teatro Bolshoi. Assistiram a um peça, uma ópera, que retratava a história de um rei cristão que termina louco. As duas ricas damas, vendo aquela cena choraram, comoveram-se e todo o teatro também. Quando terminou, elas saíram e encontraram um homem, à porta, pedindo esmola. Uma delas, comovida, tirou o pesado casaco de peles para dar-lhe, pois ele estava sofrendo o frio da noite de Moscou. A outra, porém, impediu-lhe o gesto, explicando:
                — Não faça isto! Quando chegarmos a casa mandaremos cobertores. Seu casaco é muito caro, ele não vai valorizá-lo.
                Ela deteve o gesto bom e concluiu:
                — De fato, você tem razão. Vamos fazer como sugeriu.
                Vestiu o casaco novamente, dizendo ao homem: — Daqui a pouco eu lhe mandarei cobertores e agasalhos.
                Entraram na carruagem e foram para o palácio. Ao chegarem, tomaram chá com biscoitos, deitaram-se e esqueceram o necessitado. Pela manhã, a dama generosa lembrou- se do mendigo e chamando um lacaio recomendou-lhe que levasse os cobertores. Quando este chegou ao local o homem estava morto. Morrera congelado pela madrugada.
                O Dr. Bezerra concluiu:
                "Enquanto se discute a caridade, o sofredor morre ao abandono. A caridade tem que ser o socorro do momento, depois discute-se o que se fará. Não fiques triste. Prossegue, assim mesmo, e confia."
                A “Casa de Jesus” me ensinou a trabalhar, a dar banho em doentes, a atender diretamente os enfermos. André ficava totalmente imobilizado e fazíamos tudo para atendê-lo. O outro, hemiplégico, chamava-se Aloísio, também era carregado.
                Durante três anos mantivemos a casa. Numa maré do mês de agosto, que é muito forte, as águas subiram e derrubaram a casa. Tiramos os doentes, rapidamente. Lá no “Caminho da Redenção",  o prédio possuía vários quartos e ali os alojamos, porque a maré tombou a casinha e o terreno sumiu...
                Um dia, quando cheguei para a reunião, Aloísio estava na crise de nervos; aproximando-me dele, perguntei-lhe:
                — Como vai, Aloísio, está melhor?
                Em meio à crise, num acesso de raiva, ele pegou o urinol e derramou-o na minha cabeça. Naturalmente me veio uma reação, mas, eu pensei, ele é um doente mental.
                Tive que ir me limpar e trocar de roupa.
                Depois, quando se iniciou a “Colônia da Fraternidade”, no bairro de Pau da Lima, já não podíamos cuidar deles em outro local. Levamos Aloísio e o colocamos numa casinha. Ele morreu em nossos braços. Assim, nós nos preparamos para esse Cristianismo de ação.
                Agora, as tias já estão ficando idosas. Oito anos atrás, uma delas teve um derrame cerebral.  Quase sempre, aquela que colaborou, quando idosa, é colocada em asilo. É muito cômodo! Lá, na Irmã Dulce, eu creio conseguir as vagas possíveis, no asilo de velhos, pois penso que não me seriam recusadas. Mas, eu reflito que, se elas ajudaram a criar as nossas crianças, agora é a hora de tomarmos conta delas, enquanto viverem.
                Uma coisa comovedora ocorreu. Uma das meninas que ela criou, a Verinha, que já está com dezoito anos, me informou:
                — Tio Divaldo, eu fico ajudando a tia Marieta.
                Nós temos uma enfermeira, funcionários, é só chegar e mandar fazer o necessário, mas eu tenho que dar o exemplo. Porque é muito fácil amar a pessoa bonitinha, sendo difícil amar o aleijado, o feio, o doente. Eu comecei, também, a tomar conta dela, pois eu já adquiri o hábito de tratar os doentes. Para mim, este é o Cristianismo que me faz bem. Pregar é muito fácil, cuidar de crianças é muito gratificante porque nos agrada muito, mas, a Caravana “Auta de Souza”...
                Certo dia, Auta de Souza falou:
                — Meu filho, eu quero que você vá visitar os pobres da invasão.
                Assim, passamos a ir, levávamos sacos de queimados (balas) e distribuíamos. Hoje, nós temos cento e setenta famílias, porém, famílias irrecuperáveis, de hansenianos, de cegos, paralíticos, doentes, loucos. Acompanhamo-los até a hora da morte e fazemos o enterro: a primeira coisa que as velhinhas pedem, é que não sejam jogadas na vala, enroladas em lençol; pelo menos um caixãozinho...
                Temos que convidar os companheiros (não é que todo mundo vá dar banho em pobre, não é isso) para a ação da caridade vivida, numa experiência que fará muito bem a nós mesmos. Devemos lidar com os loucos, os obsidiados, os feridos, os ingratos, porque com os demais a gente recebe a gratificação, nessa convivência agradável que estamos tendo. Está desaparecendo tudo isso, porque o espírita está ficando muito intelectualizado.
                  Isto, a mim, me fascina esse ângulo do Cristianismo, porque aí não há ninguém para competir conosco, não há ninguém para ter inveja, para falar mal, porque ninguém quer ir lá, à lama.
                O exemplo de Chico Xavier a vida inteira é digno de aplauso, porque ele atendia na peregrinação com aquele povo todo, mas, os mais graves, os piores, ele visitava sozinho, nas noites de quinta-feira. Como eu faço as minhas visitas, nos buracos de Pau da Lima, de noite, escondido até do pessoal da “Mansão”, para que ninguém vá comigo, porque, senão, quem faz a caridade são eles e não eu. E quando é que eu vou fazer a caridade? Se eu peço, as pessoas generosas dão e eu aplico isso para os que necessitam, mas esta é a caridade daquelas pessoas. Quando é que eu vou fazer a minha caridade pessoal?! Que não tem que ser, necessariamente, com dinheiro. Portanto, eu vou lá, tenha visitas em casa ou não. Fazemos os Natais todos, mas, depois, de madrugada, escondido, sozinho, eu saio com os meus pacotes para ir aos meus doentes — se é que posso chamá-los assim. Se eu for com a turma toda é uma beleza, mas é uma festa! E eu estaria exibindo os meus necessitados. Por isso, muita gente me vê, mas não me conhece."



sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Assuntos Complementares ao Trabalhador Espírita

    

        Como nosso estudo está apoiado no programa II da apostila da FEB - que foi reelaborada com esmero, diga-se de passagem -, colocaremos aqui assuntos complementares, temas que via de regra não temos espaço para discutir em nosso horário.

       Material que venha de encontro à educação da mediunidade será postado neste blog.

       Material de ordem moral e psico-emocional, que contribua com a reforma íntima do candidato à mediunidade, será postado no blog "O TRABALHADOR ESPÍRITA". Colocarei apenas o título da postagem e o link para ser automaticamente redirecionado ao outro blog.

      Procurarei postar  artigos de acordo com as necessidades do estudo e dos trabalhos da casa.

       Gostaria que voces sugerissem temas que os interessassem. Façam isso nos comentários.

       Abraço a todos, Marcelo

segunda-feira, 28 de março de 2011

Breve ensaio sobre o Mal

“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo que lhe é contrário”
(L.E, questão 630)

Persiste no espírito humano a tendência para o mal, como uma ressonância do primarismo ancestral das experiências transatas da evolução.
No processo de desenvolvimento antropológico, o bi­ótipo mais forte sobreviveu aos demais em razão da bruta­lidade, do volume e da astúcia na luta pela vida. À medida que o homem desenvolveu a inteligência e aplicou-a para proteger-se e preservar a espécie, adquiriu o poder de vencer as feras e os animais gigantescos. Como decorrência, ficou a presença do mal nele dominante, que vem aplicando contra si mesmo - autodestruição, excesso nos vícios - e contra os outros - furtos e roubos, calúnias, ­ perseguições, homicídios e guerras que ameaçam toda a civilização.
Platão identificou-o nas suas observações profundas, denominando-a como face escura do ser; portanto, desco­nhecida, e Carl Gustav Jung constatou-a nos estudos da personalidade, a que chamou de sombra. permanecem os impulsos da violência e da agressi­vidade, as paixões escravizadoras, os instintos indomados que respondem pelo retardamento da auto-iluminação. Trata-se do eu inferior, que representa um perigo para o indivíduo, e que deve ser identificado, a fim de ser combatido com a luz do discernimento e do amor.
O mal é, desse modo, um impulso inconsciente, auto­mático, que emerge do abismo do ser, como mecanismo de sobrevivência, e lhe desata tendências perturbadoras, que se lhe encontravam atadas.

Quanto mais desconhecido do mundo íntimo, mais per­turbações e prejuízos o mal ocasiona. Ignorá-lo é uma forma de deixá-lo livre e em expan­são, permitindo-lhe manifestações freqüentes e danosas no comportamento. A fim de conscientizar-se do mal em si mesmo, faz-se imprescindível o aprofundamento do auto-exame, para encontrar os pontos vulneráveis que o despertam e o de­sencadeiam, predispondo-o para a agressão.
Tentar esmagá-la através de atitudes rígi­das torna-se tarefa inútil, porquanto, à medida que for privado de exteriorizar-se, mais vigor adquire até o mo­mento em que explodirá com virulência danosa. Quando uma força pressiona e encontra resistência, prossegue até a liberação da sua carga, arrebentando ou sendo desarmada.
O comportamento correto em tal caso é aquele que leva à sua identificação – à identificação do impulso - e à capacidade de resistência que possui.
O Espírito não é mau em razão da sua origem divina, porém nele permanece o mal, como a erva daninha mesclado ao trigo bom no mesmo moinho.
Todos os indivíduos são vulneráveis às aflições, que decorrem das enfermidades, das pressões, das agressões, dos distúrbios psicológicos...
Na infância, essas emoções se apresentam como mo­vimentos desordenados, choro, refletindo a impotência da criança diante da dor, do desconforto, de alguma necessi­dade biológica... Mais tarde, expressando-se como medo ou raiva, ela morde e, por fim, com maior recurso de mobilidade, bate, golpeia, foge ou planeja desforço.
Conforme o ambiente, a família, e particularmente a mãe, com quem mantém maior convivência, o mal que é inerente na infância ou se desenvolve, tomando vulto ou dilui-se em grande parte.
Na idade adulta, em razão de outros sentimentos, como vergonha e culpa, que geram tensão, aumentam o medo e a raiva, estimulando à prática do mal, como vingança ou forma cruel de sobrevivência.
O mal pode ser considerado uma emoção de emer­gência, que irrompe com violência quando teme, ou per­manece em silêncio, agindo soturnamente e perturbando aquele que lhe experimenta a constrição.
Quando o mal se manifesta em ação, estimula o siste­ma nervoso simpático supra-renal, que fornece energia para a ação nefasta - a luta - ou para a fuga, até que uma oportunidade própria se lhe desenhe favorável, a fim de descarregar a tensão.
À medida que aumenta essa força e não se faz libera­da, o medo se transforma em raiva, que cresce até tornar­-se fúria, que pode, às vezes, levar ao pânico.
A criatura teme a dor.
Tudo que a conduz ao sofrimento, se não tem o medo sob o controle da verdade e não domina a raiva, no mal se exterioriza para agredir e relaxar-se.
Certamente, a vontade não tem maior ação sobre o medo, que irrompe com ou sem motivo lógico e apavora, mas possui grande ascendência sobre a raiva que pode ser administrada.
A raiva não pode ser considerada uma manifestação destrutiva, mas sim uma reação orgânica, porquanto de­saparece, quando lhe cessa a causa.
Quando o indivíduo se vê sitiado, o mal nele existente se transforma em fúria, que tudo arrebenta e destrói. A fúria enceguece, nublando o raciocínio e anulando a vontade.
A culpa sempre irrompe após as atitudes que afligem as demais pessoas, causadas intencionalmente ou não. De início, é um sentimento de vergonha da própria inferioridade, que cresce e se transforma. O desabrochar do sentimento de culpa proporciona a sensação de haver perdido o respeito que inspirava a afeição, gerando desconfiança e instabilidade.
A vergonha da ação praticada produz humilhação e rejeição, empurrando para o desconforto emocional e as suspeitas infundadas, em batalha mental constante que aturde o ser.
Quando se trata de uma pessoa madura psicologica­mente, desperta e procura os meios para a reparação.
Po­rém, quando se é infantil emocionalmente, foge-se, toma­do pela vergonha do erro, procurando mecanismos de autojustificação ou de autopunição, que desencadeiam o mal adormecido e faz que se converta em mágoa contra si mesmo ou contra aquele que foi o seu causador.
A falta de responsabilidade induz à acusação a ou­trem, por haver criado as circunstâncias que desencadea­ram o incidente, mesmo que não existam. É esta uma forma infantil de o infrator autojustificar-se. O conflito predominante no ser impede-o de discernir com claridade, sendo sempre a culpa das outras pessoas, quase nunca dele próprio.

Um dia, porém surge, em que o mal libera a consciên­cia e a percepção racional corrige o entendimento do fato, advindo a necessidade da reparação. |Porém, se o ser é tomado por insegurança e medo, a ação negativa se transforma em mecanismo de autopu­nição, transtornando o comportamento psicológico e o mundo interior, privando-o da paz e trazendo-lhe sofrimento.
A vergonha e a culpa devem ser trabalhadas com es­pontaneidade, com segurança, a partir do momento em que a pessoa se considere humana, portanto, sujeita a julgamentos e atos equivocados, que pode e deve corrigir.
O mal interior se disfarça com as roupagens de sentimentos variados.
Sua descoberta contribui para a sua erradicação, terapeuticamente investindo-se na saúde emo­cional, espiritual e comportamental.
Não se trata de um empreendimento fácil, nem rápi­do. A eliminação de um condicionamento ocorre median­te o esforço de substituí-lo por outro, no caso, um que seja saudável e benfazejo. Qualquer espaço em aberto se preenche com facili­dade, ou fica vulnerável à reinstalação do hábito anterior.
A cada impulso negativo, do mal existente, deve-se aplicar uma formulação racional, tranqüila, que transforma a reação agressiva ou vil em ação dignificante e paci­ente.

A personalidade é um abismo ainda desconhecido com mistérios complexos para serem desvendados.
No inconsciente do ser dormem milênios em que se encontram os impulsos automáticos, que a razão vem su­perando, mas necessitam ser de codificados, para, logo diluídos, cederem lugar às ações edificantes.
Herdando as experiências sucessivas, o ser humano fi­xou-as no consciente que, de alguma forma, passa a diri­gir-lhe a conduta nesse árduo trânsito para a autoconsci­ência, quando poderá e saberá agir com equilíbrio, res­peitando a lei de Deus e tudo realizando conforme as suas disposições.

O mal é a ausência do bem, sem dúvida, que ainda não se instalou e que contribui para agredir a vida, pertur­bá-la e até tentar extingui-la.
A sua existência é real, enquanto permanece afligindo e gerando a dor, que induzirá, por fim, aquele que o expe­rimenta, a uma radical mudança de conduta.
Negar-lhe a realidade constitui perigosa forma de es­camoteá-lo.
Essa natureza do eu inferior deverá ceder lugar à to­talidade do eu superior.

Na terapia para a diluição do mal, o amor exerce fun­ção essencial, por oferecer segurança àquele que se faz vítima da distonia produzida pelo instinto, auxiliando-o a educar a vontade, a corrigir a óptica pela qual observa a vida e a faz avançar na ação do bem, etapa-a-etapa, pois que essa mudança não se dará de chofre ou sob o encantamento do entusiasmo de um momento.
Exercícios mentais de reflexão em torno de pensamen­tos edificantes, análises sobre vidas abnegadas, contribu­em para a instalação de paisagens otimistas no ser, onde se pode respirar o bem-estar, sem os aguilhões da inveja, do egoísmo, da agressividade.
O auto-exame dos atos e a vigilância na conduta igual­mente facultam o clima para a preceterapia libertadora, que eleva o Espírito e o envolve em vibrações superiores que o penetram e o desalgemam do mal, a fim de que possa aplicar-se ao bem, conforme a lei de Deus.