O movimento espírita tem sido invadido por uma enxurrada de publicações que trazem a informação de serem mediúnicas. Temos visto que os dirigentes, vários deles, não utilizam qualquer critério de seleção doutrinária. O que nos aconselha?
"O nosso pudor em torno do Index Expurgatorius da Igreja Romana leva-nos, sem nos darmos conta, a uma tolerância conivente. Como não nos é lícito estabelecer um mapa de obras que mereçam ser estudadas em detrimento daquelas que trazem informações inautênticas em torno dos postulados espíritas, muitos dirigentes, inadvertidamente, divulgam obras que prejudicam mais a compreensão do Espiritismo do que aclaram.
É muito comum dizer: mas é muito boa! Mas, muito boa, porém não uma obra espírita e no que diz respeito à mediunidade, a mediunidade ficou tão barateada, tão vulgarizada, que perdeu aquele critério com que Allan Kardec a estuda em “O Livro dos Médiuns”.
O médium é médium desde o berço. Os fenômenos nos médiuns ostensivos começam na infância e quando têm a felicidade de receber a diretriz da Doutrina, torna-se o que Chico Xavier denominava com muita beleza: mediunidade com Jesus. O que equivaleria dizer: a mediunidade ética, a mediunidade responsável, criteriosa, a mediunidade que não se permite os desvios do momento, os modismos.
Mas a mediunidade natural pode surgir em qualquer época e ela surge como inspiração. O indivíduo pode cultivá-la, desenvolve-la naturalmente.
Vem ocorrendo uma coisa muito curiosa, pela qual, alguns espíritas desavisados, de alguma maneira, são responsáveis: se o livro é de um autor encarnado, não se lê, porque como se ele não tivesse autoridade de expender conceitos em torno da Doutrina. Mas, se é um livro mediúnico, ele traz um tipo de mística, de uma chancela, e as pessoas logo acham que é o máximo. Adotam esse livro como um Vade Mecum, trazendo coisas que chocam porque vão de encontro aos postulados básicos do espiritismo.
Entra agora uma coisa que é profundamente perturbadora: o interesse comercial. Vender o livro sob a justificativa de que as Casas Espíritas necessitam de recursos. Para atender as necessidades, vendem obras de autoajuda, de esoterismo, de outras doutrinas, quando deveríamos cuidar de divulgar as obras do Espiritismo, tendo um critério de coerência.
Quando visitei Paris pela primeira vez, em 1967, eu fui ver e conhecer a Union Spirite Française que ficava na Rua Copernique, número 8. Era período de férias, agosto a setembro, praticamente a Europa fecha-se e a França, principalmente. A Union estava fechada. Chamou-me a atenção as vitrinas que exibiam obras: não tinha uma espírita. Eram obras esotéricas, eram obras hinduístas, eram obras de Madame Blavatsky. São todas respeitáveis, mas não temos compromisso com elas. O nosso compromisso é com Jesus e com Kardec, sem nenhum fanatismo e sem nenhuma restrição pelas outras obras, que consideramos valiosas para cultura, para ampliação do entendimento. Mas, temos que optar por conhecer a Doutrina que professamos.
Verificamos, neste momento, essa enxurrada perniciosa, porque saem mais de cinquenta títulos de obras pseudomediúnicas por mês, pelo menos que nos chegam através dos catálogos, tornando-se impossíveis de serem lidas. O que ocorre? Eu recebo entre 10 e 20 solicitações mensais, pedindo aos Espíritos prefácios para obras que ainda estão sendo elaboradas. A pressa desses indivíduos de projetar a imagem, de entrarem nesse pódium do sucesso é tão grande que ainda não terminaram de psicografar - quando é psicográfica - ou de transcrevê-la, quando é inspirada, ou de escrevê-la, quando é de próprio punho, de própria concepção, já preocupado com o prefácio. Eu lhes digo: Bom, aos Espíritos eu não faço solicitações. Peço desculpas por não poder mandar o prefácio desejado. Espere, pelo menos, concluir o trabalho. Pode ser que eu morra, pode ser que você morra e pode ser que o Guia reencarne antes de terminar a obra.
A um que insistiu muito, contei uma história dos tempos homéricos, das dificuldades entre palestinos e judeus. Um judeu caiu nas mãos de um Sheik que morava à borda do deserto e, de imediato, ele foi condenado à morte. Deveria ser enforcado daí a três dias.
A notícia foi mandada de oásis em oásis pelo deserto, e, no dia aprazado, uma multidão cercou-se da praça em que o judeu ignóbil ia ser enforcado. No momento azado, o Sheik perguntou-lhe se tinha algum pedido a fazer e ele disse:
— Tenho, sim. Tenho apenas um pedido. Eu desejo pedir ao nobre Sheik que me poupe a vida.
O Sheik disse:
— Mas é impossível, você é nosso inimigo! Nós somos primos pela nossa origem do Pai Abrahão, mas isto é impossível. Por que desejaria viver?
— Porque eu sei que o nobre Sheik ama muito os cavalos; os cavalos árabes são de sangue puro, são os melhores do mundo e eu sei que nobre Sheik tem um cavalo ao qual ama com enternecimento.
E continuou:
— A minha vida é inútil. Tive uma ideia, na minha condição de judeu que estudou a Torah e sabe do pensamento de Deus. Proponho-me a pedir um ano de vida para poder ensinar seu cavalo a falar.
O Sheik foi tomado de espanto:
— Mas, você garante que o meu cavalo vai falar?
— Sem dúvida. Se ele não falar dentro de um ano, ao terminar o prazo o senhor me mata, não perco nada. Vai me matar de qualquer forma.
O Sheik emocionado, aplaudido pelos súditos, mandou que o levassem à baia, que ele tirasse o cavalo e tomasse as primeiras providências, assistido por escravos que o vigiavam.
Ele ganhou um ano de vida e saiu eufórico. Quando atravessava a multidão, alguém disse:
— Mas, que judeu estúpido! Será que ele não está vendo que esse cavalo não vai falar nunca!
Ele sorriu e respondeu:
— Não sei. Mas eu ia morrer agora e ganhei um ano e em um ano muita coisa pode acontecer. Pode ser que eu morra, pode ser que morra o Sheik ou pode ser que o cavalo fale. Não perco nada!
Foi uma proposta extraordinária. Aí, adiantei para o médium: pode ser que eu morra antes do prefácio, pode ser que você morra ou o guia reencarne. É possível que o livro fique inconcluso.
É uma onda de perturbação para minar-nos por dentro. O Codificador nos recorda que os piores inimigos estão no próprio Movimento, o que torna muito difícil a chamada seleção natural. Nós deveremos ter muito cuidado ao examinar esses livros. Penso que as instituições deveriam ter uma comissão para lê-los, avaliar a sua qualidade e divulgá-los ou não, porquanto as pessoas incautas ou desconhecedoras do Espiritismo fascinam-se com ideias verdadeiramente absurdas.
Tenho ouvido e visto declarações pessoais de médiuns que dizem não serem espíritas e não terem nenhum vínculo com qualquer “ismo”; são livres atiradores e as suas obras são vendidas nos Centros Espíritas, porque vendem muito. Até amigos muito queridos têm, em suas livrarias, nos Centros Espíritas que frequentam, essas obras que são romances interessantes, como os antigos romances de Agatha Christie, de M. Dellyt e tais. Mas essas obras não são espíritas, embora ditadas por um Espírito, mas ditadas ao computador.
Muitos perguntam: Divaldo, por que é que você não psicografa direto no computador? Eu digo: por carma. Eu já pedi a Joanna, por ser tão fácil, porque eu psicografo ainda, antes à lápis, agora à esferográfica? Tenho um calo. Depois eu tenho que digitar. É uma trabalheira. Insisti com Joanna: Por que a senhora não psicografa, me toma e escreve? Respondeu-me:
— Meu filho, no meu tempo não tinha computador. Era máquina, ainda, para ser desenhada no séc. XIX e não pretendo aprender computação agora.
E, sorrindo, ela me diz:
— Necessitamos do fluido nervoso, desse intercâmbio alma a alma, perispírito a perispírito.
Essas obras são muito interessantes, ninguém contesta, mas o tempo que se gasta, lendo-as, é um desvio do tempo de aprendizagem da Doutrina Espírita. As pessoas ficam sempre à margem, não se aprofundam. Observo, em nossa Instituição, pelas perguntas infantis que me fazem.
Ainda, há poucos dias, recebi um e-mail pedindo que eu interrogasse os bons Espíritos a respeito do seguinte: a pessoa era espírita, leu as obras de fulano, de beltrano e de cicrano, que não são espíritas e apesar disso é espírita e estava com muita dificuldade financeira. Tinha um pequeno capital e queria investi-lo para poder ter uma vida digna, sobreviver com a aplicação. Perguntava-me o que é que os Espíritos achavam dela construir um motel numa estrada para ganhar dinheiro.
Eu fiquei pensando: ou é brincadeira ou é um teste para avaliar meu equilíbrio. Deletei, é claro. Mas, serve para a gente ver a mentalidade: é espírita.
Um outro. Contou-me uma médica, que havia sido assaltada com o marido. Um grupo de cinco bandidos assaltara-os e levara-os a uma praia. Dois deles vieram à cidade com os cartões de crédito para retirar dinheiro e três outros ficaram, armados. Essa médica, espiritista realmente, vendo que os jovens estavam muito aturdidos, tentou uma comunicação qualquer. Percebeu que um deles era mais acessível. Quando os outros dois se afastaram um pouco ali na praia, começou a falar:
— Você tão jovem, por que está no caminho do crime?
Ele respondeu grosseiramente:
— Cale a boca, porque nós temos ordem de matar vocês. Quer retiremos o dinheiro, quer não, estamos esperando o telefonema para matar. Vou dar uma dica: na hora em que os colegas se afastarem, dá-me um soco, pegue uma pedra, faça qualquer coisa, me atire no chão e fujam, porque vocês vão morrer.
— Por que é que você está me dizendo isso?
— Porque eu sou espírita.
Era um ladrão espírita! Vejam que coisa!
— Eu sou espírita e frequento o Centro Espírita tal. Sou devoto do Dr. Bezerra de Menezes. O Dr. Bezerra até hoje me protegeu, a polícia não me pegou de jeito nenhum, graças aos passes que eu tomo no Centro Espírita. Tal a minha devoção ao Dr. Bezerra que quero retribuir, salvando a vida de vocês. Vou empurrar uma pedra para cá. Podem me jogar a pedra com força, eu desmaio e vocês fogem.
Ficou aturdida, os outros pareciam drogados, ele era um jovem de 19, 20 anos. Arranjou um jeito, o marido encontrou uma pedra, deu uma pedrada nele e saíram correndo. Perderam-se na escuridão.
Conseguiram salvar-se porque chegaram ao asfalto e receberam ajuda, foram à polícia, tomaram providencias. Foram feitos saques que não eram grandes.
Quinze dias depois, exatamente, ela estava no pronto-socorro, quando dá entrada um jovem que fora esfaqueado. Ela corre para o atender, era o ladrão espírita.
Ele pede:
— Doutora, não me denuncie. Lembre-se que salvei a sua vida.
— Não vou denunciá-lo, O que aconteceu com você?
— Acho que o Dr. Bezerra não está muito de acordo com minha vida e me deu esta lição. Eu vou sair do crime se a senhora me ajudar.
Quanta ingenuidade! Quanto desconhecimento do Espiritismo!
São os papa-passes, que acham que o passe resolve tudo. A responsabilidade é dos passistas, que aplicam os passes mas não esclarecem as pessoas quanto à necessidade da transformação moral para não precisarem de mais passes.
É necessário que procuremos divulgar a Doutrina, conforme nós a herdamos do íncílito Codificador e das entidades venerandas, que preservaram essa Doutrina extraordinária, para que nós possamos contribuir com a construção de um mundo melhor.
A respeito desses livros que proliferam, me causam surpresa, quando amigos com quarenta, cinquenta anos de idade, pessoas lúcidas, pessoas cultas, que nunca foram médiuns, ou, pelo menos, jamais o disseram, escrevem livros até ingênuos, que nem são bons nem são maus, e rotulam como mediúnicos e passam a vender, porque são mediúnicos.
Realmente, a questão deve ser muito bem estudada, inclusive, penso, que pelo Conselho Federativo Nacional para se tomar uma providência. Não de cercear-se a liberdade — não temos esse direito, mas pelo menos de esclarecer os leitores e procurar demonstrar quais são as características de uma obra espírita e as características de uma obra imaginativa.
Um dos livros mais vendidos, dito mediúnico, tem verdadeiras aberrações, em que a entidade fez do mundo espiritual uma cópia do mundo físico, ao invés de o mundo físico ser uma cópia do mundo espiritual. Inverteu, porque o Espírito está tão físico no mundo espiritual! E um Espírito do sexo feminino, que tem os fluxos catamênicos no mundo espiritual e que vai ao banheiro e dá descarga!
Outras obras, igualmente muito graves, falam de relacionamentos sexuais para promoverem reencarnação no Além. Ora, a palavra reencarnação já caracteriza tomar um corpo de carne. Como reencarnar no Além, no mundo de energia, de fluidos, onde não existe a carne? O Além, com ninhos de passarinhos multiplicando-se, em que as aves vêm, chocam e nascem os filhotinhos. Não é que estejamos contra qualquer coisa, mas é que são delírios, pura fascinação.
Acredito que alguns desses médiuns são médiuns autênticos. Ocorre que eles não perderam a mediunidade, a sua faculdade mediúnica é que mudou de mãos, daquelas entidades respeitáveis para as entidades frívolas que estão criando verdadeiros embaraços, porque em determinados seminários, palestras, fazem perguntas diretas e ficamos numa situação delicada, porque citam os nomes. Toda vez que dizem os nomes eu me recuso responder. Numa pergunta em tese muito bem, mas declinar nomes, não. Não tenho esse direito de levar alguém ao escárnio.
Dessa forma, o problema é mais grave do que parece, porque muitos também estão fazendo disso profissão, embolsam o resultado das vendas. Enquanto outros justificam obras de má qualidade, por terem um objetivo nobre: ajudar obras de assistência social. Os meios não justificam os fins."